TI e Competitividade No Setor de Alimentos e Bebidas
Heitor de M Quintella, DSc
Certified Management Consultant
Departamento de Engenharia de Produção - UFF
e José Francisco R Zanca
Analista de Sistemas
DBA
Resumo
Este artigo relata os resultados de uma investigação de campo que envolveu 12 empresas, em que foram entrevistados os executivos de Informática. Essa investigação é parte integrante do projeto: Fatores Humanos e Tecnológicos da Competitividade de Quintella(1997) que tem por finalidade estudar como a interação entre os skills e a tecnologia interagem para promover competitividade.
1. Introdução
A resposta para
aumentar a competitividade dentro das organizações é obtida quando se busca
descobrir como melhorar a forma pela qual os negócios são levados ou realizados
e como se dá ou acontece o funcionamento da organização, porquanto todas essas
atividades podem ser realizadas através de diferentes tipos de tentativas.
Qualquer que seja a forma escolhida pela organização, geralmente se baseia no
uso da Tecnologia de Informação como um facilitador para o alcance dos
objetivos desejados, estratégicos ou operacionais. Na maioria das vezes, esta
tecnologia de informação, implantada dentro da organização, reflete na
utilização de sistemas de informação que dão apoio às estratégias que estão
sendo implantadas.
Neste contexto, os sistemas de gestão empresarial nascem para satisfazer
as necessidades dos tomadores de decisão das empresas. Tais sistemas evoluíram
no tempo. Até a década de 50, o
problema principal das organizações industriais era o controle de materiais. Na
ocasião, o computador ainda não fazia parte das corporações e os controles eram
baseados na sensibilidade e na experiência de quem gerenciava os estoques. Eram
observadas as tendências de demanda de certos produtos e, então, se definia um
ponto de reposição.
Nos anos 60, com o surgimento dos computadores, o controle do inventário
ficou mais fácil, porque os pontos de reposição tornaram-se derivados de
cálculos matemáticos baseados em estatísticas de demanda de determinado
produto, acrescidas de uma certa margem de segurança. Surgia o controle
estatístico de estoques SIC (Statistic
Inventory Control).
Mais tarde, na década
de 70, surgiram dois sistemas que iriam revolucionar a forma e a maneira de se
trabalhar. O MRP (Material Requirement
Planning ou cálculo das necessidades de materiais) e o JIT (Just in Time). O MRP é uma técnica de
gestão que utiliza como pressuposto de cálculo o conhecimento da engenharia de
processo industrial e o plano de demanda, projetando as necessidades de
estoques de cada material nas quantidades e prazos necessários. Já o JIT é muito mais que uma técnica ou um
conjunto de técnicas de administração da produção, sendo considerado como uma
completa “filosofia”, a qual inclui aspectos de administração de materiais,
gestão da qualidade, arranjo físico, projeto do produto, organização do
trabalho e gestão de recursos humanos. Tem como objetivo fundamental a
minimização e, se possível, a eliminação de todo e qualquer armazenamento e
estoque de insumos e produtos intermediários na cadeia produtiva.
Na década de 80, agregou-se a manufatura ao
sistema MRP e este passa a ser chamado MRPII (Manufacturing Resource Planning ou planejamento dos recursos de
manufatura). Com ele se determinam a
quantidade e os momentos em que são necessários os recursos de manufatura
(materiais, pessoas e equipamentos, entre outros), objetivando o cumprimento da
entrega do produto com um estoque mínimo.
Observando a estrutura
do MRPII, percebeu-se que seria possível acrescentar módulos que suportassem a
gestão de outros recursos, como, por exemplo, contas a pagar, contabilidade,
recursos humanos, vendas etc. Na década de 90, os fornecedores passaram, então,
a integrar os diferentes módulos, surgindo o novo conceito ERP (Enterprise Resource Planning).
2. Sistemas Integrados
Na atualidade, existe um alto interesse, dentro das empresas, pela
utilização de sistemas integrados. Um sistema integrado não significa a solução
para todos os tipos de empresa, porém, em pesquisa desenvolvida pela DRC Ltda.,
entre os meses de agosto e setembro de 1998, em que foram consultadas 2700
empresas de diferentes setores, foi observado que 64,3% delas não possuíam um
sistema integrado, 56,4% pretendiam implementá-lo, sendo 56,1% delas em dois
anos [CABRAL, 1998].
Dentre os fatores que
levariam uma organização a implantar um sistema integrado, encontram-se os
seguintes:
· facilitador e ator importante no desenvolvimento da estratégia da empresa;
· ferramenta de controle operacional;
· ferramenta agregadora de valor dentro da cadeia de valor da empresa;
· ferramenta de relacionamento interfuncional, tanto com clientes como com provedores;
· melhoria da produtividade;
· redução de custos;
· modernização da organização;
· produtos com melhor qualidade;
· aumento de eficiência;
· aumento de efetividade.
3. Investigação Realizada
Este trabalho procurou identificar se existia uma seqüência natural de
crescimento na utilização de ERP dentro das empresas; se existia algum tipo de
evolução de implementação; se eram considerados fatores estratégicos como
produtividade ou diminuição de custos, ou se esta implantação e posterior
utilização se efetivavam por outros motivos, como, por exemplo: exigência dos
clientes, orientação dos consultores ou atualização dos sistemas existentes,
entre outros.
Em seguida, se procurou analisar se existia
alguma padronização na implantação de módulos de um ERP, dentro da organização.
Em outras palavras, se a organização, por exemplo, estava seguindo uma
estratégia de diminuição de custos, se conhecia que módulos do ERP deviam ser
utilizados e em que tipos de atividades, fossem estas primárias ou secundárias
(segundo [PORTER, 1995]) para alcançar o objetivo desejado.
Devido ao aspecto
prático do trabalho, por motivos tanto de caracterização de um sistema
integrado como também a quantidade de sistemas implantados, se decidiu
focalizar o trabalho em empresas de consumo em massa e que utilizaram o pacote
R/3 da SAP como sistema integrado a implantar.
Esta análise foi
realizada com a amostra constituída pelas seguintes empresas:
· Cia. Iguaçu de Café Solúvel
· S.A. Leão Irmãos Açúcar e Álcool
· Braslo Produtos de Carne Limitada
· Cia. União dos Refinadores de Café e Açúcar
· Cia. Açucareira Zillo Lorenzeti
· Glenmark do Brasil Ltda.
· K&M Indústrias Químicas Ltda
· Oetker Produtos Alimentícios Ltda
· Indústria Paulista de Sabonetes Limitada
· Usina São Martinho de Açúcar e Álcool S/A
· Spaipa S.A. - Indústria Brasileira de Bebidas
· Almiro Grings & Cia. Ltda.
O trabalho visou,
através de uma investigação de campo, asseverar ou refutar o conjunto de
hipóteses abaixo e dá continuidade a uma série de investigações (Quintella et
alii, 1999 e Quintella et al, 2001):
·
As empresas
brasileiras da área de Produtos de Consumo Massivo estão utilizando a
Tecnologia de ERP como parte fundamental de sua planificação estratégica.
·
Estão sendo
utilizados padrões para a inserção deste tipo de tecnologia dentro das
empresas, segundo os estágios de Davidson [DAVIDSON, 1993].
·
O objetivo
procurado para a implantação de ERP dentro da Empresa é a satisfação de atividades primárias, segundo Porter. [PORTER
et alii, 1995]
Davidson identifica três etapas ou fases de crescimento tecnológico no seu modelo. Cada uma destas etapas possui suas próprias características.
A fase 1 enfatiza a excelência operacional da organização, começando com atividades de automação de processos e iniciativas de reengenharia, a nível interno da organização. A fase 2 baseia-se nas capacidades e infra-estrutura tecnológica desenvolvidas na fase 1, visando a uma ampliação no oferecimento de produtos e serviços para clientes e fornecedores. A fase 3 nasce com um resultado da fase 2, pois desenvolve o surgimento de novas unidades de negócios, devido aos produtos e serviços oferecidos na fase 2, como também o desenvolvimento de novas capacidades nas etapas anteriores pode gerar mudanças capazes de iniciar movimentos de redefinição do negócio em si.
Segundo o conceito de
Cadeia de Valor, para Porter, qualquer negócio é uma coleção de atividades
executadas para Desenhar, Produzir, Comercializar, Entregar e Apoiar após a
venda. Todas estas atividades podem ser
representadas por uma cadeia de valor que, quando diz respeito a um negócio,
representa um reflexo da história, da estratégia desenvolvida e de muitos outros
fatores que influenciam as atividades do mesmo. A cadeia de valor é sempre construída no nível do negócio, não
podendo ser construída num nível superior, visto que este nível superior não
caracteriza a empresa nos detalhes suficientes para entender a cadeia de
valor. Num mesmo setor, as cadeias de
valor podem ser iguais, mas as cadeias dos competidores podem ser diferentes.
As atividades da
Cadeia de Valor dividem-se em dois grandes grupos: atividades primárias e
atividades de apoio.
Atividades Primárias
São aquelas que ajudam diretamente na criação,
desenho, comercialização e entrega do
bem ou serviço.
Atividades de Apoio
São as atividades que, como seu próprio nome
indica, apóiam as atividades primárias e também a elas mesmas, provendo inputs
de produção, recursos humanos e alguns tipos de tecnologia para o
desenvolvimento das outras atividades.
Tanto as atividades primárias como as de apoio
podem ser catalogadas em atividades diretas, atividades indiretas e atividades
de qualidade .
Atividades Diretas
São diretamente
envolvidas na criação de valor para os clientes.
Atividades Indiretas
São as atividades que
tornam possível a execução das atividades diretas.
Atividades de Qualidade
São aquelas que
garantem a qualidade das atividades diretas e indiretas.
Os modelos
apresentados serviram como referencial teórico para o desenvolvimento das
perguntas da pesquisa de campo com a
qual se pretendeu conhecer se as hipóteses se cumpriam ou não.
Com relação à primeira
hipótese se pode identificar que as 12 empresas pesquisadas estavam utilizando
a tecnologia ERP tanto para a satisfação de objetivos estratégicos, quanto
operacionais. O quadro abaixo apresenta esta distribuição.
Com respeito à segunda
hipótese se pode apreciar que os objetivos a ser alcançados por estas empresas,
são objetivos de satisfação interna da mesma, com grande ênfase nos seguintes
aspectos :
·
redução de
custos;
·
redução dos
tempos;
·
melhoria da
qualidade;
·
modernização da
organização;
·
possibilidade de
centralizar e dinamizar as informações;
·
melhor controle
da organização.
Como todos estes são
aspectos de compromisso interno, se verifica pouca relação entre a utilização
do R/3 com fatores externos como clientes e fornecedores.
As empresas que estão
utilizando sistemas como o R/3 estão no primeiro quadrante do modelo de
Davidson, pois estão buscando diminuição dos custos, visando com isto o
melhoramento de atividades internas da organização.
Mais quais são os
setores que estão sendo atingidos com esta implantação do ERP na organização?
As áreas onde a utilização do R/3 apresenta maior impacto são tanto nos módulos
associados a questões financeiras, como também nos módulos associados a
questões de logística. Isto demonstra que existe, por parte das empresas
pesquisadas, uma grande preocupação com atividades associadas a satisfazer
atividades tanto primárias como secundarias da organização. Os módulos de TR, PP, QM e RH não são muito
utilizados (fornecedores, qualidade e recursos humanos).
Observa-se que não
existe nenhuma utilização de módulos orientados para o relacionamento com
clientes e fornecedores, apesar da importância estratégica dos relacionamentos
com clientes e fornecedores neste tipo de indústria.
4. Conclusão
O objetivo do trabalho
era verificar se existia algum modelo de inserção dos ERP nas empresas e como
este modelo de inserção era utilizado, para isto se utilizou o modelo de
Davidson e a cadeia de valor de Porter.
Conseguiu-se
visualizar como é esta inserção de tecnologia nas empresas da área de produtos
de consumo massivo no Brasil. Como já foi dito a utilização desta tecnologia
está muito dirigida para a diminuição de custos das organizações. Seja tacando as atividades primarias ou
secundarias da organização. Não se percebeu uma utilização orientada a querer
alcançar a segunda etapa no modelo de
Davidson que é a etapa de diferenciação ou customização. isto não quer dizer
que as empresas pesquisadas não estejam querendo essa customização ou
diferenciação. A conjectura plausível que se propõe é de que elas estão desejando
esta customização, mas através da implementação de outro tipo de ferramenta,
especificamente as ferramentas de CRM (Costumer Relationship Management). Este
pensamento estratégico não está distante da realidade comercial já que os
fornecedores de software estão visualizando parcerias estratégicas entre
produtos de ERP e CRM.
Este trabalho visou
identificar como estava sendo levada a inserção de sistemas do tipo ERP nas
empresas brasileiras, ficou razoavelmente estabelecido que esta inserção se
realiza para a satisfação de atividades internas da empresa, sejam elas
primarias ou secundarias. Por outro lado, se verificou a utilização do modelo
de Davidson, mas com uma característica, que a tecnologia utilizada, neste caso
um Sistema do tipo ERP, não servirá para todas as etapas do modelo, ele só
servirá para a satisfação da primeira etapa com a utilização de seus módulos
básicos. Para alcançar as outras etapas será necessário utilizar outras
ferramentas da mesma família como por exemplo os CRM , SCM ou customizações dos
próprios ERP.
Referências
Cabral, C. Pesquisa: Sistemas ERP – Impacto na
Organização e Negócios, MIS 95-025.
Davidson, W Beyond Re-Engineering: The three phases of business transformation, IBM Systems Journal , Vol 32 N1, 1993
Porter, M.E , Competitive Advantage , The Free Press , New York , 1985
Porter, M., Millar V. How Information gives you Competitive Advantage , Harvard Business Review Julho – Agosto 1985 , Pág 149 – 160
Quintella, H.
Fatores Humanos e Tecnológicos da Competitividade, Niterói: UFF,
Relatório de Pesquisa, 1997
Quintella, H., Costa, S et Costa P. Globalização e
visão estratégica da tecnologia da informação, In: Conjuntura Econômica, vol.
53, número 1 jan 1999, págs. 26-29, Rio de Janeiro: FGV, 1999.
Quintella, H., et L. R. Silva, Customização em massa
no varejo, In Tendências do Trabalho, abr 2001 ed. 320, págs. 4-7, Rio de
Janeiro: Suma Econômica, 2001.