Processos-Chave Focalizados
na Qualidade
(Falta de consciência da
missão e competitividade)
Heitor Luiz Murat de Meirelles Quintella
Universidade Federal Fluminense
22451-030 Gávea
Rio de Janeiro – RJ
Este artigo apresenta
algumas diretrizes de estruturação de processos - chave focalizados no cliente.
Usando-se o Plano de Negócios como o critério básico de estabelecimento das
prioridades da valoração dos processos, determinam-se alguns elementos da
diretriz metodológica de gestão de processos.
A partir desses elementos se estabelece a forma pela qual a satisfação do cliente pode ser introduzida na avaliação do desempenho dos processos - chave. Analisa-se à luz de casos reais de empresas fluminenses como a pesquisa do cliente tem dado resultados positivos de focalização dos processos na qualidade e como o conhecimento da missão pode afetar o desempenho.
This article presents some methodological guidelines to structure
processes with focus on client oriented quality. By using the Business Plan as
a basic criterion for prioritization of process values, some important elements
of process management methodology are determined.
From these methodological elements
it is established a manner to introduce client satisfaction in the process
performance assessment. With a number of cases from Rio de Janeiro industry it
is analysed how client research has produced succesful results in focusing
processes on quality and how misssion awareness can affect performance.
Key-words – Quality
management, client satisfaction, process management
1. Introdução
Este
artigo é dedicado à discussão de alguns dos processos mais antigos implantados
num setor de vendas e aos cuidados a serem tomados para focalizá-los no
cliente. Ele ilustra exemplos reais e casos de pesquisa conduzidos pelo autor.
Baseado nos métodos apresentados em (Cortada et Quintella,93), concentra-se a
atenção no passo inicial do método que preconiza a visão e missão
compartilhadas. Analisam-se resultados de três investigações para verificar a
falta de consciência da missão em situações de empresas em crise de
competitividade em seus processos. O framework teórico aqui empregado baseia-se
em um conjunto de autores clássicos e largamente aceitos no âmbito
internacional. (Albrecht, 1985),
(Bauer, 1992), (Czepiel, 1987), (Davidow, 1989), (Liswood, 1990), (Peters,
1987).
As
atividades de um negócio podem ser encaradas como conjuntos de processos que
precisam ser executados diariamente para que a firma seja bem-sucedida. 0 que
se percebe prontamente é que existem certas funções que são fundamentais para o
sucesso com os clientes (por exemplo: processos para receber pedidos ou para
entregar bens e serviços) e outras que podem ou não ser importantes (por
exemplo: processos administrativos para dirigir o seu prédio). Finalmente, você
pode encarar os processos como muito eficientes e eficazes ou necessitando de
muito retrabalho. Um setor de vendas que tenha pegado o vírus da qualidade
encara as suas atividades como um conjunto de processos priorizados primeiro
por sua importância e depois pela necessidade de replanejamento ou
reengenharia.
Nenhuma
empresa apresenta a mesma lista que outra e os processos das duas nunca têm as
mesmas características. Neste artigo apresenta-se uma série de processos para
ilustrar o conceito de que um conjunto de tarefas deve ser encarado como um
processo. Tais processos não são nem
abrangentes nem colocados em ordem de prioridade. Todos eles, no entanto, são
voltados para o exterior e focalizados no cliente. Os processos que são
realmente voltados para o cliente aumentam as oportunidades de oferecer bens e
serviços da maneira certa na primeira vez, garantindo, com isto, novos negócios
e alta satisfação do cliente. Muitas empresas acham que, mesmo na melhor
hipótese, "fazer certo da primeira vez" só acontece 80% das vezes. Vinte
por cento das vezes tem-se que lidar com reclamações, devido a erros nos
processos. (Este tema das reclamações será tratado em artigo subsequente.)
Se
a empresa tiver começado a trabalhar nas medidas e na organização, os tipos de
processos descritos abaixo provavelmente serão as próximas atividades a serem
melhoradas.
2.
Processos Ligados aos Planos de Negócios
Na
definição do conjunto de processos, há muito a ser dito a favor da técnica de
abordá-los da mesma maneira que se faz com orçamento base zero. Basicamente,
uma vez que um processo é identificado, pergunta-se qual a sua importância para
o objetivo do negócio. Se não for muito importante, o processo é passível de
eliminação. Se for fundamental, é estudado, constantemente aperfeiçoado e
medido em termos de eficácia. Por exemplo, suponhamos que se trate de uma
agência imobiliária com quinze agentes. Depois de mapear todos os processos
importantes, descobre-se um pequeno processo utilizado para arquivar
informações sobre agências imobiliárias em outras cidades. Há alguns anos isso
era feito caso a sua agência tivesse que recomendar outras imobiliárias para os
seus clientes que estivessem se mudando para uma outra cidade. Hoje, como a
agência está ligada a uma rede nacional via computador; não é mais necessário esse
arquivo de papéis, raramente usado e fora de moda. Conseqüentemente, a coleta
manual de dados é interrompida mas se garante que um processo análogo
informatizado passe a atender às necessidades atuais de seus clientes.
As abordagens de base zero
utilizam relatórios ultrapassados. Um exemplo comum em vendas é o relatório de
atividades de venda:
publicado de um a três meses depois de sua ocorrência. Os relatórios de
despesas geralmente são um outro bom exemplo, uma vez que são feitos 45 dias
depois de as despesas terem ocorrido. Um processo melhor seria o de criar um
sistema de relatórios mais ágil que
forneça dados sobre os gastos do mês anterior, no primeiro dia útil do mês seguinte.
Contudo,
para conseguir implantar essa ligação entre processos e plano de negócios é
necessário seguir uma metodologia que
será apresentada em seguida de maneira simplificada por meio de um conjunto de
regras simples.
3.
Regras para Usar o seu Plano de Negócios para Estabelecer Prioridades quanto ao
Valor do Processo
As
abordagens de base zero por si só não
ajudam a definir o que é importante. Mais fundamental é ter uma estrutura de
referência com a qual se possa medir quais são os processos mais importantes e
eficazes. A melhor maneira de se obter essa estrutura de referência é ter um
plano de negócios em relação ao qual se possa medir todas as atividades. Essas
atividades que apoiam o plano de negócios serão mantidas e aperfeiçoadas e as
que não o fizerem serão eliminadas. O plano de negócios necessita de vários elementos
básicos, no entanto, seria útil nas abordagens de prioridades de base zero que
as seguintes regras fossem sempre seguidas:
3.1 O plano de negócios deve ter uma visão e uma missão para
servir de orientação às decisões de marketing
Isto
porque nenhum plano de negócios é suficientemente detalhado para abranger todas
as atividades. Se os empregados tiverem uma visão de para onde a firma está
indo, sua missão clara e quais são seus valores,(por exemplo: satisfação total
do cliente) terão um ponto de referência para agir de acordo com ele num
ambiente de delegação de poderes. Eles podem então tomar decisões com mais
confiança.
3.2 O plano de negócios tem que incluir afirmações
específicas sobre missão e metas
Isto
porque os empregados vão querer (com todo direito) se certificar de que existe
um processo para apoiar o alcance de todas as metas. Como a medida do progresso
em relação às metas é um aspecto tão importante nas abordagens da TQM, ligar os processos às metas e à missão é
fundamental.
3.3 Os processos devem ser encarados como um conjunto de
ações táticas que implantam eficientemente o plano de negócios e também como
atividades de rotina executadas diariamente como elementos do seu negócio.
Por
exemplo, se a meta é aumentar as vendas em 7% e o plano para implantá-la inclui
um aumento de 2% no pessoal, pode ser necessário um processo de treinamento para preparar pessoas para essa
função. Uma vez que a rotatividade é sempre um problema, o treinamento teria
que ser feito no ano em questão e em vários anos subsequentes. Dessa maneira é
recomendável criar um processo de treinamento que exista como parte rotineira
do negócio, suportando a missão e as metas.
3.4 Tudo
está em mudança, portanto é preciso que haja uma maneira estruturada de revalidar
a importância dos processos e medir a sua eficácia.
É
aí que o conceito de utilizar o processo como a avaliação de desempenho típica
do Prêmio Baldrige vem bem a calhar. Transformar medidas estatísticas de
avaliação em um processo fará com que se possa saber se está havendo melhoria
contínua. As auto-avaliações juntamente com as medidas de desempenho através de
indicadores embutidos dão a um setor a possibilidade de ligar as atividades e
os processos ao plano de negócios. Na verdade, a abordagem Baldrige requer que,
em primeiro lugar, exista um plano de
negócios ligado a uma visão de futuro de uma empresa e de sua missão nesse
futuro, para que todas as atividades possam ser avaliadas.
4.
O
caso Xerox
A
abordagem que a Xerox faz dos seus representantes de venda ilustra todos os
quatro pontos. A Xerox quer que todo o seu pessoal de campo entenda e satisfaça
os requisitos dos clientes de tal maneira que a firma também lucre e aumente a
sua fatia de mercado. Estes objetivos devem ser atingidos através da qualidade
nas vendas. A Xerox definiu seis conjuntos de processos para conseguir
qualidade nas vendas: treinamento, sistemas de apoio, instrumentos e medidas,
comunicação, conduta e atitudes da gerência, reconhecimento e recompensas.
Dentro
de cada uma dessas famílias de processos existem outros definidos mais
explicitamente. Por exemplo, sob o título de conduta e atitudes da gerência, a
firma possui processos para transmitir histórias de sucesso, administrar para
obter resultados, organizar mesas-redondas, publicar boletins e elaborar
estratégias de comunicação da qualidade referentes à unidade e representante de
vendas. Espera-se que todas essas atividades estejam presentes na unidade e
filial de vendas e na corporação.
Observamos
em entrevistas conduzidas em processos consultivos, em pesquisas de campo e em
treinamentos na Xerox, que havia uma permanente preocupação em manter viva a
consciência da missão associada a cada um dos processos, bem como o alinhamento
estratégico dos mesmos ao plano de negócios. O estudo da Xerox, feito em
diversas ocasiões pelo autor, levou à identificação da oportunidade de
estudar-se as questões ligadas à
competitividade dependentes do grau de disseminação da missão em outras
empresas.
O
papel da Xerox neste caso foi de fornecedora de um paradigma gerencial e de
norteadora de métodos de pesquisa empregados. Em todas as situações estudadas a
Xerox apresentou uma alto grau de
disseminação e buy-in da missão, daí decorrendo seu sucesso e
competitividade.
5. Breve
análise da consciência da missão em empresas fluminenses
Para
avaliar o grau de competitividade das indústrias fluminenses testou-se neste
artigo o grau de conscientização para a missão, sua associação com os processos
e o alinhamento estratégico dos processos ao plano de negócios. Este ítem é
apontado como um fator crítico de sucesso
por vários autores (Daniels et Daniels, 1996), (Quigley, 1994),
(Quintella, 1988), por isso realizaram-se as investigações reportadas em
(Medeiros et Quintella, 1998) (A), (Quintella et Pinheiro, 1998) (B) e (Quintella et Oliveira, 1999) (C).
Na
primeira investigação (A) estudou-se uma empresa W do setor de indústria
química que estava tentando implantar um programa de qualidade, mas que passava
por grave crise em seus processos-chave que resultava em perda de
competitividade relativa, momentânea e geograficamente limitada. Nas
entrevistas que cobriram mais de uma centena de colaboradores em uma planta na
baixada fluminense, identificou-se um padrão forte de resistência às mudanças.
Um dos motivos encontrados era o baixo nível de conhecimento da missão por um
grande número de funcionários. Por outro lado, entre os poucos funcionários que
conheciam a missão identificou-se que o nível de buy-in era baixo. Concluiu-se
a partir desses fatos que era possível atribuir-se como um dos fatores (mas não
o único) da perda de competitividade dessa empresa em seus processos a falta de consciência da missão.
Na
segunda investigação (B) estudou-se um
conjunto de três empresas XB, XC e XD, de grande porte, fluminenses, cobrindo
uma amostra de mais de 200 pessoas para
avaliar-se o grau de relação entre motivação, produtividade e processos de
avaliação de desempenho. As três empresas
estavam com grau de competitividade inferior em relação à IPIRANGA que foi
usada como benchmark. Essa empresa se encontrava, na ocasião, em alto grau de
competitividade e grande crescimento no mercado dos produtos em estudo. Nessa circunstância constatou-se também que
86,2% dos seus funcionários entrevistados demonstravam conhecer a missão e os
objetivos e metas da empresa.
Nas
três empresas que estavam com problemas momentâneos na eficiência de processos
e perda de competitividade, apenas 34,7% das pessoas pesquisadas conheciam os
objetivos e a missão. Também pode-se depreender deste caso, que além de outros
fatores, a falta de consciência da
missão e dos objetivos explica a perda de competitividade.
Na
terceira investigação (C ) estudou-se um conjunto de empresas entre as quais estavam: IBM, Alcoa, Promon, Eletronorte
e Cia X. Para confirmar alguns resultados entrevistaram-se empresas de
consultoria que atuaram nas mesmas, entre as quais estavam: RMOTTA, IBM
Consulting, SMS, FGV, Ernst & Young e Andersen. Em ambos os casos a
hipótese de que as cinco empresas compartilhavam sua missão e objetivos com os
empregados não foi confirmada. Dessa forma, nesse grupo de empresas, o fenômeno
da perda de competitividade em processos também apresentava, entre outros motivos, a falta de consciência e compartilhamento da missão e dos objetivos.
Essa investigação, em particular, teve uma confirmação de peso obtida pela
confrontação com as opiniões imparciais das consultoras em ação nas empresas em
estudo.
6. Conclusão – como os processos afetam a satisfação do
cliente pela falta de consciência da missão
Mais importante do que
implantar os quatro pontos da metodologia é o ato de avaliar o desempenho em
relação ao que satisfaria e superaria as expectativas do cliente. Num âmbito
mais geral trata-se de oferecer o que o cliente espera. Em outras palavras, os
clientes querem que os processos satisfaçam necessidades e desejos. Nos casos em questão havia perda de
competitividade porque os processos que
lidam diretamente com o cliente estavam com desempenho baixo. Em particular, o nível de satisfação dos
clientes estava em baixa no momento.
Este artigo reuniu um
conjunto de evidências pontuais de três investigações independentes que permite
concluir que a falta de consciência da missão está presente em todos os casos
estudados de perda de competitividade, ainda que momentânea. Apesar de a
amostra ser pequena, pode-se propor como conjectura plausível que a falta de
consciência da missão está sempre
presente nos momentos de perda de competitividade das empresas. Em particular,
é conjectura também plausível e interessante hipótese de trabalhos futuros, que
a falta de consciência da missão é causa
importante de perda de competitividade.
Em artigos subsequentes pretende-se estudar outros aspectos de
processos focalizados no cliente, relacionados com a metodologia aqui
apresentada, bem como estender-se a presente pesquisa a uma amostra maior de
empresas.
1.(Cortada et Quintella, 1993) Cortada, J., H. Quintella, TQM
– Gerência da Qualidade Total,
São Paulo, Makron Books, 1993.
2.(Daniels
et Daniels, 1996) Daniels, J., N. Daniels, Visão Global, São Paulo, Makron Books, 1996.
3.(Quigley, 1994) Quigley, J., Visão, São
Paulo, Makron Books, 1994.
4.(Quintella, 1988) Quintella, H., Argumentos,
missões organizacionais e planos de vida em modelos participativos: Adizes e Z3, Recursos Humanos e Sociedade,
ano III, num 6, dez 1988, São Paulo, Cortez ed., 1988.
5.(Medeiros et
Quintella, 1998) (A), Medeiros, M., H. Quintella, Competitividade, tecnofobia e resistência à mudança, Tendências do Trabalho, num
281, jan. 1998, pgs 16 – 19, Rio de Janeiro, SUMA ECONÔMICA, 1998.
6.(Quintella et
Pinheiro, 1998) (B) Quintella,H., A .
Pinheiro, Motivação, produtividade e
avaliação de desempenho, Tendências
do Trabalho, num 282, fev. 1998, pgs 16 – 19, Rio de Janeiro, SUMA ECONÔMICA,
1998.
7.(Quintella et
Oliveira, 1999) (C) Quintella,H., J .
Oliveira, Uso de indicadores de desempenho nas empresas brasileiras como um
sistema de gestão integrado, Tendências do Trabalho, num 294, fev. 1999,
pgs 24 – 27, Rio de Janeiro, SUMA ECONÔMICA, 1999.
8. (Albrecht, 1985) Albrecht, Karl, e Zemke, Ron, Service America! Doing Business in the New Econom, Homewood, Ill.: Dow
Jones-Irwin, 1985.
9. (Bauer, 1992) BAUER, Roy A., Collar, E., e Tang, V.,
The Silverdale Project: Transformation at IBM, New York: Oxford
University Press, 1992.
10. (Czepiel, 1987) CZEPIEL, John A., et al
(eds.), The Service Challenge:
Integrating for Competitive
Advantage, Chicago: American Marketing Association, 1987.
11. (Davidow, 1989) DAVIDOW, William H., et al.,
Total Customer Service - The Ultimate
Weapon, New York: Harper and Row,
1989.
12. (Liswood, 1990) LISWOOD, Laura A., Serving Them Right: Innovative and Powerful
Customer Retention Strategie, New
York: Harper and Low, 1990.
13. (Peters, 1987) PETERS, Tom, Thriving on Chaos, New York: Alfred A. Knopf, 1987.
14. (Shaw, 1978) SHAW, J.C., The Quality-Productivity Connection in Service-Sector Management, New York: Van Nostrand,
1978.